quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Raiva




Apoderou-se de mim, invadiu o meu espírito, comandou-me como um fantoche de teatro amador, mais profissional que tantos licenciados. Escravizou a minha vida. Sentiu o que eu tinha e era, transformou-se em algo imaginário. Era uma raiva que se passeava num corpo que já não pertencia à sua alma, mas sim a este adjectivo que me cegou e não me deixou ver a luminosidade de um sonho por algo melhor.
A culpa? Ideias preconcebidas, mentes introvertidas, sociedade por se descobrir, crescer e evoluir. Crenças que não são passadas, ideais que não são as de antepassados. Verdades únicas que se acompanham de tantas realidades mais verdadeiras e autênticas. Mentes fechadas, lenços que cobrem rostos, que já de si, nada querem ver. Críticas mordazes, dedos apontados, rejeições por algo que se desconhece!
E por tudo o que o povo acredita, instalou-se então a raiva, o medo, o sofrimento. Ainda a mente desconhecia que existia um mundo para lá dos muros da juventude e já máquinas de bala destruíam uma pureza que se devia manter por mais tempo. As questões surgiam, a revolta emergia e a vontade de terminar o que quer que se fosse era abrupta. E é aqui que tudo começa…
Tanta era a insistência na pessoa que era, tantos eram os pontapés que as bocas ao largo largavam, que acabou por crescer dentro de mim, sentimento feio, rebelde, tirano! E era tudo mascarado, tudo trabalhado, tudo ensaiado. Duas atitudes juntas num só corpo. Por fora surgia uma figura tranquila, fraca e que ignorava todos os preconceitos de que era alvo diariamente. Por dentro, gritava o mar revoltoso, sangrava o coração, brotavam lágrimas de morte.
Mas esta atrocidade só me inundava quando para lá da casa segura me afastava, quando chegava à selva desflorestada, pois era aí que os ataques surgiam e que sentia vontade de lançar uma bomba mortífera. No final do dia, no porto seguro, o ser transformava-se, era o largar da negatividade, era o viver somente com a alegria de poder ser eu próprio, sem receios, sem medos.
Felizmente não fui levado por ela... Talvez tenha aprendido a ser forte, percebido de que nada faria e que acabaria mais ferido do que já estava.
Mas foi tão doloroso, tão penoso, que não consigo evitar olhar para trás e chorar amargamente. Foi uma luta de todos os dias, minha e de quem quer que de mim gostasse. Normal ter de surgir de mim a maior força, mas era tudo tão difícil. Não tinha idade para aguentar tal fardo. Não tinha maturidade para tais preocupações. Não era suposto lamentar-me por ser o que era, quando todos os outros apenas se alegravam por serem parte integrante de uma vida.
A solidão forte, a escuridão envolvente. Crescimento tenebroso. Fingimento inacreditável. Raiva possuidora.
Monstros do passado com cara de gente, amargo entristecimento que me denegria o ser e que me fazia revolver atrás o passo de cada vez que
vencia.

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