segunda-feira, 10 de março de 2008

Auto Mutilação



Cantam os pássaros, soam as letras no meu papel. A vontade que tenho é a da simples divagação, e nem me apetece encontrar um tema que me motive desabafar nas linhas. Tenho vontade de me drogar e voltar num estado alucinado, e aí sim, encontrar uma razão para me expressar. Não preciso de chorar, porque as lágrimas já secaram. Não quero sorrir, pois estou demasiado sedado de raiva para tal, e nem vou abrir a boca para conversar… tenho vontade de bocejar!
Ao meu redor, paletas de tinta que olham para mim, para este pincel, e desejam ser juntadas no meu degrade pessoal. Mas não quero. Estou farto de pintar sempre da mesma maneira. As mesmas cores, os mesmos tons… e se pelo menos atingisse a harmonia. Por agora agarro nas paletas, e deito-as fora. Não quero mais ser pintor. Serei antes escritor, pelo menos aí apago as palavras sem ter de as deitar fora…
É noite, a escuridão, uma luz dirigida para esta cadeira onde me sento e fumo o tal cigarro pensativo de outrora. A divagação, novamente? Nem dela saí.Aperto as mãos com garra! Basta! Porquê é que insistes em disparatar quando o mundo pelo menos uma vez se desloca com a tua direcção? Serás assim tão cego, ou gostas de sofrer? Idiota! Há quem goste de se auto mutilar fisicamente, a tua onde deve ser mais psicológica! Fazer mal a ele próprio vezes sem conta, com um pequeno martelo imaginário colocado na cabeça, que vai batendo as vezes contadas.Deve ser isso! Acho que acabo por encontrar o tal tema de que preciso. A auto mutilação! Será que existe algum parâmetro para quem o faz psicologicamente? Sim, todos o fazemos diariamente, em segredo, num sussurro imperceptível. Mas, e quem o faz constantemente, mesmo quando não há razões para tal? E que fiquem Já sentados os milhares de psicólogos que por aí vêem. Quero só tentar perceber, com gente normal, sem comprimidos, sem divãs, sem um relógio com um ponteiro que estrangula, e sem a tal factura ardente ao final do mês.
Imaginem… Conversa de café. Duas pessoas sentadas frente-a-frente. O sol vai brilhando, (ou será melhor ser de noite para dar mais ambiente?), o sol continua a brilhar… Adiante. Conversa de café. Podem ser dois amigos. Dois amantes nunca, estragavam a imaginação com as suas carícias constantes, e neste momento a azia que sinto faz-me enjoar com tais pombinhos. Ora bem, a conversa! Um fala incessantemente, o outro escuta. (A esta altura já devia estar a cobrar a consulta, mas não o faz. Os amigos são para quê?) O que fala disparatadamente, vai ficando vermelho por não entender metade dos acidentes que decorrem á sua passagem. Esmorece quando fica sem fôlego, grita quando está numa parte com mais acção! Entretanto, o monólogo dá-se por vencido e entra o olhar (o que nunca de lá tinha saído), inquisidor, avaliador. O amigo olha para o drama à sua frente, e questiona. – Mas tanto drama para quê?
O vazio… A resposta desta vez tarda em surgir do outro lado da mesa… E é aqui que deveria entrar a tal resposta que procuro! A resposta à mutilação psicológica que pratico demasiadas vezes. Mas não consigo inventar uma resposta… A conversa de café fica suspensa até a ter com alguém que me saiba responder!E de volta à divagação! Se é que dela alguma vez sai. E por vezes é isso mesmo que penso de mim, que sou um qualquer divago, uma ideia que passa sem deixar rasto, e aí volto aquele ego que constantemente está lá no fundo, e toda aquela parafernália de dúvidas existenciais. Mas sobre isso, haverão mais outros milhares de textos.
Um pequeno pólen de uma flor… um cheiro que se embrenha na minha pele… um nojo de mim próprio que me rasga o olfacto! Sinto-me uma pérola reluzente perdida no fundo do mar. Foi difícil conseguir chegar aqui. Conseguir brilhar por entre o azul do oceano. Tarefa árdua que levei anos a lapidar. Mas finalmente consegui, e agora? Ainda não estou perfeito, porque como qualquer relíquia, não existe perfeição, mas sinto-me oponente no meu brilhar.
E é nestas partes em que sorrio para mim próprio, para este papel onde revejo tudo o que dito nos dedos. Quando encaixo o português na tal harmonia que não consigo recriar nas paletas. E o mais estúpido (deixei continuar o meu mau trato) é que até sei tantas respostas às questões que me coloco, mas é mais cego o que não quer ver…

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