terça-feira, 14 de abril de 2009

Ele, o sem medo!


Lá ia ele na sua caminhada desengonçada e meio atrapalhada. De cesta numa mão, guarda-chuva na outra, não fosse os aguaceiros começarem a cair sem ele estar à espera e precisar de se proteger. Pelo caminho ia contando as pedras que deixava para trás e que o faziam tropeçar vezes sem conta. Olhava para si constantemente e via as marcas dessas quedas. Os arranhões, as feridas, as dores que por vezes ainda sentia ao caminhar. E o ardor!
Dias e dias a andar e nunca parava, nunca se cansava, nunca desistia. Dias em que sorria para as pessoas que estavam ali à sua passagem, outros em que simplesmente se deixava alimentar das próprias lágrimas que escorriam do seu terno olhar. No coração uma força avassaladora capaz de destruir a maior muralha jamais erguida.
Na sua cesta de verga, herdada da sua gentil e doce avó trazia fruta fresca, algumas sandes, uma toalha lavada, malmequeres que havia colhido no caminho, entre outros objectos arrumados em casa. Uma espécie de capuchinho vermelho dos tempos modernos, ali personificado numa figura masculina, porque nem sempre a história tem de ser como se é contada.
E no meio da distracção, lá insistia o lobo mau em cruzar o seu caminho. Um lobo perigoso e matreiro, de diversas caras e feitios, de traços mascarados de ternura, com interior de raposa ardilosa. Ele, na sua fortaleza aparente contornava-o, assim como as tais pedras constantes, e prosseguia o seu caminho.
Sem mapa ou coordenadas, a viagem desenrolava-se como um papiro antigo... Voltas íngremes, planícies de miragens, pântanos perigosos, savanas de segredos. Uma e outra volta, esta e outra estrada, cruzamentos e entroncamentos... Lá seguia ele viagem, de pés descalços, de tronco firme, com a sua cesta e o chapéu-de-chuva. Se o virem passar por aí, não se preocupem, acenem docemente, um sorriso sincero e ele far-vos-á felizes! Ele, o sem medo....

2 comentários:

Samuel Pimenta disse...

E nesta vida "ardilosa" que vivemos, todos temos um pouco "d'Ele, o sem medo!", cada um à sua maneira. ;)

Coné disse...

Exacto, concordo com o comentario anterior