sábado, 24 de novembro de 2007

Pai



Dói-me a nuca, arde-me a cabeça, prendem-se os olhos… E a audição? Não quero ouvir o que ela diz. Não pode ser verdade. Mentirosa! Ele não morreu, ele ainda está aqui comigo, connosco.
Porque dizes essas coisas se sabes que eu não vou compreender? È tudo demasiado penoso, demasiado surreal para ser real. E eu que nada tive com ele. Memórias onde estão? Relação... Quando foi? Questiono-me agora por tudo, por nada, para compreender, para tentar uma ligação de pai e Filho.
Sinto-me fraquejar, odiar a vida porque a morte lhe vence sempre, mas no entanto, também não sinto nada. Sinto um vazio ocupado por algo que não sei explicar. Bolas! É a morte! Ele morreu há um ano, é suposto eu brotar lágrimas de raiva, gritos de dor, bater em tudo e todos, mandar-me ao chão. Perguntar onde está esse Deus que tanto idolatram, afastar o mundo com a palma da mão… Mas não sai nada. Apenas fica este aperto no coração, inexplicável, incompreensível.
E tinha tanto para saber, tanto por contar. Perdi uma parte de mim tão importante. Aquele que me colocou agora a tentar patentear o que é perder um pai que nunca o foi!
Não sei se foi porque quis, se por ter sido afastado por não ser capaz de lidar connosco. O que é certo, é que só foram três anos. Três anos! Foi quanto tempo te deste ao trabalho de me ajudar a crescer. Mas nem nesse curto espaço estiveste presente. Não soubeste ser Homem, marido, pai. E por isso eu sei chorar, sou capaz… Por teres morrido? Deixa-me rir!
Falhaste o teu papel. Não soubeste dar texto ao guião que te deram, como tal, não podes criticar por termos saído de cena, abandonar o palco despidos, sem nada, deixando tudo para trás.


Passaram treze anos desde a tua morte! A mágoa continua alapada nas minhas entranhas, mas tenho conseguido sobreviver com a tua ausência. Também é quase impossível sentirmos falta de algo que nunca tivemos. A única falta que sinto é a de uma figura paterna, masculina, que me estendesse a mão quando precisasse. Um homem que estivesse ao meu lado para me dizer que vai tudo correr bem, até um Pai que me apedrejasse com rochas por descobrir que sou homossexual! Mas não, o que tenho nas mãos é um pó milimétrico do que foste, na imaginação, tudo o que poderíamos ter sido!
Já não te odeio. Agora sinto uma saudade que por vezes me faz chorar, mas apenas isso, uma saudade! E tudo culpa desta mente que fervilha com histórias incríveis do que é ter um pai, que inventa momentos que não vivi, que simplesmente me brinda com fantasias que nunca existiram para que possa chorar uma saudade, para que o meu coração palpite por ti!

1 comentário:

Sofia disse...

A tua saudade é utópica, sem raízes, apenas consegues sonhar e imaginar, e tens saudades do que um dia poderia ter sido.
Tenho essa saudade também do poderia ter sido e não se... mas também tenho memorias "palpáveis"...
E consigo perfeitamente compreender esse vazio que sentes, que tentas frustradamente preencher e não consegues, porque simplesmente não tens "recheio" que chegue.
Conseguiste transmitir tão bem... sem mais palavras...

Beijo***