sábado, 15 de dezembro de 2007

Amarra


Seria tudo tão mais fácil… se pudéssemos voar por cima de um campo aberto. Soltar o cabelo, porque não tínhamos elástico. Viajar sem destino, sem dar contas a ninguém. Seria tudo tão mais fácil, se o sol brilhasse a toda a hora para poder iluminar todos os corações que se fecham na penumbra da noite, se encontrássemos um espelho, sempre que é necessário mostrar o que são a quem é, se fosse possível retirar do mundo toda a poeira que nele se instalou…
É na luta por um lugar ao sol, na tentativa de se conquistar algo que devia ser de todos por direito, que nos encontramos nas entranhas de uma rima emparelhada! Quando olhamos para todos os lados e só quando tentamos andar é que vemos que temos o pé preso. É numa gruta na ilha Ítaca, que verificamos que somos menores, que não temos por onde ir, que nos sentimos amarrados!
Não vale a pena tentar procurar uma saída, tentar encontrar uma chave para a tal porta que não existe, um mapa que nos mostre o x, uma bússola que nos indique o caminho, um sinal de fumo que nos mostre companhia. A resposta ao enigma está tão à mão de semear, que até parece comédia ver quem a procura.
Mas estamos cegos, estamos enclausurados numa bola transparente de vício e de horror. De encantamentos disfarçados de mentiras. De segredos desbocados, que somente nós não os queremos ver. E já é demasiado tarde para não sofrermos. Demasiado retardado este caminhar que há muito devia ter ficado pregado ao chão. Quisemos investir num conto de fadas? Pois bem, agora a Bela Adormecida despertou, e de princesa nada tem!
E é tão plástica esta amarra. Tão frágil e tão pesada. Tão irritante e transparente! Ai se eu soubesse que seria tudo desta forma. Se eu antevisse que o relógio iria marcar meio-dia quando era meia-noite. Damos tantas voltas para tentarmos desfrutar de um pedaço de terra, para depois chegar um vapor de vento e roubar o que trabalhamos para ter.
Não vale a pena andarmos com rodeios, com complexidades. Podemos dizer a palavra simples com simplicidade, mas acabamos sempre por pintá-la de tantas maneiras. E para quê? Para nos magoarmos ainda mais?
O que falo aqui é de amor! Aquele que nos prende e baralha. Aquele que nos amarra a uma ínfima parte do universo. Que nos arrasta na cauda de um cometa. Que nos tortura sempre que tudo corre mal. Expresso o que é chegar ao final do dia, e vermos que a nossa luta foi em vão, pois o outro lado trata-nos com tal desprezo, que nos sentimos então, pequenos na ilha de Ítaca.
E é tudo tão verosímil que chega a fazer cócegas no cu de Zeus! É tudo tão subjectivo, que até a palavra tão se torna pequena, na ilha de Ítaca. E o tal Ulisses que não regressa do mar para nos salvar… Se eu pudesse voltar atrás, tantas decisões que não teria tomado, tantas jogadas que teria levado até ao fim. Mas agora já é tarde, e tenho de saber lidar com o que tenho e tentar ser feliz.
E eu que só queria dizer que é sufocante estar amarrado a alguém desta forma. Que quero quebrar as amarras e não consigo. Liberta-me! Deixa-me seguir a minha viagem. Se tiver de ser sozinho, que seja. Só não me trates como um boneco inanimado, sem vida e sentimentos. Sou mais do que isso. Sou aquele que em tão pouco tempo se esforçou para levar a um bom porto este barco. E se eu remava sozinho. Agora já não sei. Estás aí especado a olhar para mim, a veres-me espumar raiva dos poros, e não fazes nada.
E seria tudo tão mais fácil… Se mudasses esse teu mundo tão pequeno, tão mal construído, tão em falta de bons alicerces. Se desejasses mais, e trabalhasses em prole disso. Se não me dissesses que gostas de mim, e mostrasses o contrário. Seria tudo tão mais fácil! Agarrar o ar que respiras e fazer dele bolas de sabão. Fazer gelo da água que escorre do teu coração. Bater nessa tua cabeça dura só porque me apetecia. Seria tudo tão mais fácil… mas não é!
E a amarra contínua amarrada a mim, a ti, a nós!
Ajuda-me para parecer que o que faço não é em vão. Que o que quero não é descabido. Que afinal, há um sentido para tudo isto.
Desamarra-me!

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