sábado, 23 de maio de 2009

À Deriva


Estava escuro. Alguém havia apagado as estrelas. O silêncio envolvia o desassossego da minha alma. Solidão. Ninguém ao meu redor. Eu deitado sentindo as ervas no meu corpo semi despido. Ao longe escutava o som alto de uma televisão. O aroma de um cigarro pairava no ar, mas não percebia de onde vinha. Olhava em volta e continuava sem ver ninguém. O jardim estava repleto de um vazio extinto. A água da fonte corria agitada, aguardando saciar outra garganta. Fechei os olhos...
As ondas do mar batiam de mansinho na areia. O sol tão forte e tão quente aquecia a minha pele nua, branca, magra. Parecia abraçar-me meigamente. No céu as gaivotas voavam sem medo. Permaneciam na sua rotina ignorando-me completamente. Levantei-me, não queria continuar ali sentado, preso no meu corpo.
Devagar fui caminhando à beira mar. Olhei para a linha do horizonte tentando imaginar o que havia para além dela. Que gentes lá estariam depositadas, que sonhos, que fantasias, que realizações, que amores? Estaria lá ele também a pensar em mim, esperando em desespero a minha chegada? Virei a cara na direcção oposta. Não podia continuar a imaginar, não queria.
Pelo caminho as minhas pegadas iam ficando marcadas, pelo caminho a água do mar apagava-as não deixando um rasto meu. Não me preocupei. Se alguém decidisse procurar-me, não queria ser encontrado! Continuei e fui recolhendo pequenas conchas que iam aparecendo. Uma a uma eram recolhidas com delicadeza, como se fossem uma espécie de preciosidade. Sorri, apesar de só, comecei a sentir um formigueiro dentro de mim. Uma sensação estranha, mas que já havia sentido outrora. A novidade...!
E de repente lá estava ele. Um barco de pescador antigo, azul e branco, da mesma cor do mar. Sem receios entrei nele e viajei. Instintivamente quis ir até à linha do horizonte. Queria chegar até lá. Queria voltar a ser o tal descobridor. Queria finalmente o meu destino sem ser em bolas de sabão. Inconscientemente sabia bem o que queria... Aí o céu escureceu!
Por cima da minha cabeça uma revolta atrofiante que fazia estremecer o oceano. Uma tempestade rebelde vivia o seu apogeu. Os relâmpagos surgiam à minha frente iluminando de vez em vez o caminho que já não sabia qual era. O barco ia ao sabor da maré agitada. Já não o comandava. Uma confusão perigosa instalada. Sou jogado para fora e o barco parte-se em dois. As ondas rebeldes envolvem-me na sua espuma ácida. À deriva deambulo para lá e para cá. Sou embalado ferozmente. Errático! O meu corpo tratado com descuidado perde os sentidos... Deixo de respirar!
Acordo novamente no jardim. Ainda confuso sinto o sal na boca. Ao meu lado sentado no banco vejo uma sombra, mas não entendo a quem pertence. Inspiro fundo e levanto-me. Não quero saber de mais nada...

1 comentário:

Anónimo disse...

Um texto fabuloso e uma escrita inteligente. Continue, pois transformar o que se sente em palavras é como bálsamo cicatrizante para a alma!